quarta-feira, 21 de maio de 2008

ESPELHO

Levanta-te e veste teu vestido.
Quanta audácia: um vestido azul. Azul é para os puros. Para os que não conhecem o lado podre da vida que levas. Não me apareças mais com essa cor de virgem Maria, dela só tens o nome; ainda se desfazes em graças quando te falam. Não é um elogio, meu bem.
Leva mais essa para somar às tuas desgraças: nem teu nome santo te serve de alforria.
Vê se te escondes atrás de um vermelho tinto. Longo, de preferência. Para que não mostre um centímetro dessas tuas pernas imundas, onde explodem veias grossas e dolorosas: tuas únicas companheiras da madrugada. Tantos caminhos, garota. Tantos caminhos e tu escolheste todos de esquerda. Não vês? Escanteada, cuspida por diversas bocas. Veste esse trapo azul que carregas. Nem o azul te salva.
O que esperavas? Uma taça de vinho fino? Um copo de gelo embebido em uísque escocês?
Esse teu hálito fétido não merece regalias. Essas machas pretas ao redor dos olhos que descem com as lágrimas marcando o rosto. É isso que tu és. Diz que é flor, uma Dama da noite. "Só exala perfume à noite". Hi-lá-ri-o. Dama? Uma Lady, deve ser. Que gracinha. Tantas conversas socio-políticas. Quanta inteligência fingida. Tu és uma máquina. Máquina barata. Sabes quanto me custou?

Tu não me custas nada, garota.

"Nunca tive p***a de ideal nenhum,
só queria era salvar a minha.
Veja só que coisa mais
individualista, elitista, capitalista:
só queria ser feliz, cara."


NOTA:

Eis a verdadeira dama-da-noite.

sábado, 17 de maio de 2008

INTRODUÇÃO

Para você, meu amor:

Primeira noite da semana: embalada pelos ventos frios do final de julho. Dois muros se estendiam ao nosso redor. Um muro de palavras desconexas jogadas de qualquer forma, na tentativa urgente de conhecer o outro e criar qualquer espécie de vinco que o trouxesse pra perto – meu. O outro, formado de silêncios. Tijolos sem nenhum complemento – o seu. Aquele jeito aparentemente forçado que, futuramente, eu viria descobrir que era de fato o seu. Duas vidas entre muros; esses tais que, ao invés de abismos, criaram vínculos. Duas vidas misturadas...

Deixa eu te contar, então, que desde aquele dia, minha vida só tem sentido enquanto misturada na sua. Descobri, depois de um tempo, que você é minha epifania – “Miudinhas, quase pífias revelações de Deus, feito jóias encravadas no dia-a-dia”- e, por Deus, não há nada mais intenso que te descobrir diariamente e ter a certeza que não há nada mais concreto que esse sentimento.

As chuvas fortes já avisam que julho está chegando outra vez. Daqui pra lá, eu espero saber descrever com mais exatidão o que é ter seu pedaço de vida misturado à minha.



"Quando o tempo passasse um pouco mais, nos surpreendendo ainda juntos em outra
madrugada, minha cabeça repetiria tonta e lúcida: Éramos tão pálidos, e nos
queríamos tanto”.