sexta-feira, 25 de abril de 2008

Laço de outros tempos...

Tinha o olhar fundo. Como se o peso das noites passadas se acumulasse todo naquela região. Era uma verdadeira caricatura: o nariz se prostrava no meio do rosto como de intruso. Os fios de cabelo que não obedeciam à ordem de alisar-se e desmanchavam em cachos que cobriam seus ombros. As maçãs do rosto que insistiam em enrubescer ao menor sinal de perigo. O perigo era pra ela aqueles momentos em que não sabia se portar. Onde as mãos eram, na verdade, grandes inimigas da boa aparência, totalmente irritantes em seu “desproporcionalismo” cínico. Era alta e magra. Não daquela magreza idealizada, mas da outra. Entre tudo isso, era o sorriso. Grande e fácil. Como uma nítida ironia para os demais deslizes. Era um sorriso bonito. O sorriso daqueles que não sabem que são. E tudo nela era. Se te parece, pela descrição, que ela não passava de um retrato ofuscado pelas noites póstumas de bares sujos, te enganas. Porque ela era. Era aquele pedaço de vida que não sentia que vivia. Enquanto a vida esborrava dentro dela, em doses cavalares e clamantes por viver. Carregava uma caneta já bem gasta e umas folhas amarrotadas onde anotava tudo que lhe servisse: entre frases feitas e descrições. Aquele ato me intrigava de uma forma que eu não sabia explicar. Numa dessas noites, tentei imitar e comecei um esboço de uma descrição. O que mais me servia entre os cinzeiros, latas e toda aquela boemia do começo dos finais de semana era ela. E apesar de todo esforço, a única coisa que me restou daquela seqüência de adjetivos foi seu sorriso. Ainda que eu evidenciasse qualquer uma de suas demais qualidades, era sempre o sorriso que ficava. Mesmo me isentando de toda minha pieguice romântica, só do sorriso dela consigo lembrar detalhadamente. Da maneira como a linha da boca ficava mais fina e o amarelado dos primeiros dentes aparecia. As rugas dos olhos pareciam enfim, servir a algum propósito e ficavam simetricamente delineando aqueles olhos manchados do negror das noites insones. Até que tudo se fazia em não outra vez e se desfazia com a mesma intensidade que surgira. Em segundos. Tempo suficiente pra que essa lembrança ficasse incrustada na parte mais funda da minha memória e não saísse jamais.

Não lembro como ela se chamava. Talvez ela também não lembre de mim.
Mas era um sorriso bonito...

Um breve comentário sem nenhuma explanação.

Existem quatro tipos de pessoas:

1) As que dizem o que sentem
2) As que não dizem o que sentem

As piores de todas:
3) As que dizem o que não sentem.

E as paranóicas:
4) As que dizem até o que acham que um dia vão sentir.

Agora adivinhe onde eu me enquadro... (!)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Tododia.

Maria acorda cedo todo dia. Sai com a roupa por passar; tão amarrotada quanto seu rosto: marcas da fronha florida. As flores que não aparecem. Apenas marcas. É natural: o belo se esconde. Por isso de ser belo. E grita pra que se mostre. Maria é a flor que ficou na fronha. É o cheiro do perfume impregnado no lençol. É a vida que se traduz na rotina. É o mau-humor reprimido. Alegria incontida. Apenas é. No êxtase de ser; E as marcas do passado a são: marcas e sorrisos.

(Para a Maria que somos todos os dias.)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

"Rascunhando" um início

"Quem quer falar o que sente,
não sabe o que há de dizer.
Fala, parece que mente;
cala, parece esquecer."




Não gosto de inícios. Nunca sei onde pôr as mãos, nem pra onde olhar. Não gosto de obrigações, nem de rotinas. Destesto esse tradicionalismo do escrito, onde as palavras saem maquinalmente, como qualquer outro escreveria.
Mas gosto de falar, ainda que não saiba o que dizer. E por isso escrevo, já que nem sempre tenho um receptor disposto. E por isso escrevo: não na intenção de ser lida; não tão literária assim. Escrevo pela vontade de me expressar, mesmo que a expressão não se consolide como mudança pra nada ou ninguém. Escrevo por escrever. Para não sufocar o grito, para não oprimir a raiva, para não guardar as alegrias. Escrevo pra mim e por mim. Egoistamente.