Tinha o olhar fundo. Como se o peso das noites passadas se acumulasse todo naquela região. Era uma verdadeira caricatura: o nariz se prostrava no meio do rosto como de intruso. Os fios de cabelo que não obedeciam à ordem de alisar-se e desmanchavam em cachos que cobriam seus ombros. As maçãs do rosto que insistiam em enrubescer ao menor sinal de perigo. O perigo era pra ela aqueles momentos em que não sabia se portar. Onde as mãos eram, na verdade, grandes inimigas da boa aparência, totalmente irritantes em seu “desproporcionalismo” cínico. Era alta e magra. Não daquela magreza idealizada, mas da outra. Entre tudo isso, era o sorriso. Grande e fácil. Como uma nítida ironia para os demais deslizes. Era um sorriso bonito. O sorriso daqueles que não sabem que são. E tudo nela era. Se te parece, pela descrição, que ela não passava de um retrato ofuscado pelas noites póstumas de bares sujos, te enganas. Porque ela era. Era aquele pedaço de vida que não sentia que vivia. Enquanto a vida esborrava dentro dela, em doses cavalares e clamantes por viver. Carregava uma caneta já bem gasta e umas folhas amarrotadas onde anotava tudo que lhe servisse: entre frases feitas e descrições. Aquele ato me intrigava de uma forma que eu não sabia explicar. Numa dessas noites, tentei imitar e comecei um esboço de uma descrição. O que mais me servia entre os cinzeiros, latas e toda aquela boemia do começo dos finais de semana era ela. E apesar de todo esforço, a única coisa que me restou daquela seqüência de adjetivos foi seu sorriso. Ainda que eu evidenciasse qualquer uma de suas demais qualidades, era sempre o sorriso que ficava. Mesmo me isentando de toda minha pieguice romântica, só do sorriso dela consigo lembrar detalhadamente. Da maneira como a linha da boca ficava mais fina e o amarelado dos primeiros dentes aparecia. As rugas dos olhos pareciam enfim, servir a algum propósito e ficavam simetricamente delineando aqueles olhos manchados do negror das noites insones. Até que tudo se fazia em não outra vez e se desfazia com a mesma intensidade que surgira. Em segundos. Tempo suficiente pra que essa lembrança ficasse incrustada na parte mais funda da minha memória e não saísse jamais.
Não lembro como ela se chamava. Talvez ela também não lembre de mim.
Mas era um sorriso bonito...
Não lembro como ela se chamava. Talvez ela também não lembre de mim.
Mas era um sorriso bonito...